Mário Alberto Nobre Lopes Soares nasceu em Lisboa no dia 7 de dezembro de 1924 e a sua vida torná-lo-ia na mais incontornável das referências da Democracia portuguesa, finalmente conquistada em 25 de abril de 1974. Nascido no seio de uma família republicana e de raiz democrática, viveu grande parte da sua vida debaixo da ditadura fascista implantada em 1926 e que só seria derrubada naquele “dia inicial inteiro e limpo” de que nos falava a poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen, por sinal grande amiga de Mário Soares.
Toda a sua vida seria, pois, um combate sem quartel pela Liberdade e pela Democracia e pelos seus valores: defesa dos Direitos Humanos, a Paz e a solidariedade, o progresso social e económico. Em 1949 casou com Maria de Jesus Barroso, a sua companheira de uma vida. Por se encontrar preso (uma das 12 detenções que sofreu durante a ditadura de Salazar e Caetano) no Aljube, casou-se por procuração.
Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas e em Direito, o seu combate pela Liberdade começou ainda enquanto estudante, quando aderiu ao Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista (MUNAF), em 1943, e pouco depois ao Partido Comunista Português (PCP). Viria a ser um dos fundadores do MUD Juvenil, sendo membro da Comissão Central desse Movimento de Unidade Democrática. Participou ativamente nas candidaturas presidenciais de Norton de Matos e de Humberto Delgado à Presidência da República, momentos que sobressaltaram o regime ditatorial pela movimentação popular gerada (sobretudo com Humberto Delgado).
Como jovem advogado destacou-se na defesa de muitos presos políticos nos sinistros tribunais plenários da ditadura. Mais tarde, aliás, no exercício da advocacia, e como advogado da família de Humberto Delgado, viria a ter um papel decisivo na denúncia do assassinato do “General Sem Medo”, demonstrando o papel que o regime e a sua polícia política (a PIDE) tinham tido nesse crime.
Ao longo da sua vida tornou-se num estorvo para o regime e um símbolo da luta pela Democracia: seria preso 12 vezes, deportado para São Tomé, em 1968, e mais tarde forçado a exilar-se em França, logo no início da década de 70 do século passado.
Ao longo do tempo, viria a afastar-se do PCP, defendendo uma linha de afirmação do socialismo democrático. Seria um dos fundadores, em 1964, da Ação Socialista Portuguesa, que viria a ser admitida em 1972 no seio da Internacional Socialista. Em 1965 e 1969 foi candidato das listas da oposição democrática nos simulacros de eleições levados a cabo pelo regime fascista.
O anticolonialismo foi sempre uma das linhas de força da sua oposição à ditadura, denunciando a guerra colonial como algo sem sentido e desenvolvendo campanhas internacionais contra a situação que se vivia em Portugal, tornando-se na figura internacionalmente mais conhecida do combate ao regime que viria a cair em 1974. Antes, em 1972, editaria em França a mais paradigmática obra literária da sua vida, o Portugal Amordaçado, logo proibido no nosso país, onde circulava clandestinamente na sua edição francesa.
A social-democracia europeia era onde se movia já com grande reconhecimento, granjeando o respeito e a amizade das suas principais figuras, ajudando a criar uma rede de contactos internacionais, que incluía também vários dirigentes nacionalistas africanos. Aproveitava todas as oportunidades para denunciar, fosse através da participação em reuniões, fosse através de artigos na imprensa internacional, a ditadura portuguesa e para defender as suas ideias do que devia ser um futuro regime democrático em Portugal.
Em 1973, em Bad Munstereifel, na Alemanha, a Ação Socialista Portuguesa viria a transformar-se no Partido Socialista, muito pela determinação de Mário Soares e pela sua crença que o regime fascista português tinha os seus dias contados. O seu faro político não o enganaria, contra a opinião de muitos dos seus camaradas e de vários dirigentes internacionais.
No dia 28 de abril de 1974, a bordo do comboio vindo de Paris, que ficaria conhecido como “o comboio da Liberdade” era o primeiro dos mais conhecidos exilados políticos a chegar a Lisboa e a experimentar o renovado ar do Portugal Democrático. Viria a ter um papel determinante e incontornável na transição e na consolidação da Democracia portuguesa, conferindo-lhe um estatuto ímpar como “pai” do novo regime democrático.
Como ministro dos Negócios Estrangeiros coube-lhe um papel decisivo no reconhecimento internacional do novo Portugal, aproveitando bem a sua rede de contactos para acabar de vez com o isolamento em que Portugal tinha vivido até aí. Teve um papel igualmente decisivo para o fim do colonialismo, iniciando o processo que viria a culminar na independência dos até aí conhecidos como “territórios ultramarinos”.
Entre 1974 e finais de 1975 foi sempre o principal rosto no combate por uma Democracia pluralista, de tipo ocidental. Lutou contra a unicidade sindical, bateu-se pela liberdade de imprensa, quando alguns tentavam atentar contra ele, opôs-se com uma coragem única a todo o tipo de tentativas totalitárias que a jovem democracia portuguesa foi sofrendo. E levou o PS a grandes vitórias nas eleições constituintes de 1975 e nas primeiras eleições legislativas de 1976, afirmando-se cada vez mais como o principal rosto e artífice do Portugal Democrático.
Mário Soares assumiu-se sempre como um europeísta convicto, defendendo o projeto europeu como um desígnio nacional. Queria e bateu-se por um Portugal livre, aberto e moderno, um país verdadeiramente europeu. Como primeiro-ministro de três governos constitucionais e, mais tarde, como Presidente da República, esse foi sempre o rumo que defendeu para o nosso país. Coube-lhe, pois, contra algumas resistências internas, apresentar o pedido formal de adesão de Portugal à então CEE, em 1977. Sete anos depois, a História far-lhe-ia a justiça de ser ele a assinar, como primeiro-ministro de Portugal, o Tratado de Adesão, em junho de 1985, numa indelével cerimónia que teve como cenário o Mosteiro dos Jerónimos, num muito simbólico encontro de Portugal com a sua História e com o seu futuro.
Em março de 1986 seria eleito Presidente da República, o primeiro civil depois do 25 de abril de 1974, na sequência de uma épica campanha, que começou com todos os indicadores a apontarem a “impossibilidade” da sua eleição. Cinco anos depois seria reeleito com a maior maioria de sempre alcançada em eleições democráticas em Portugal, consagrando-se como o “Presidente de todos os portugueses”, como sempre se afirmou. A sua leitura dos poderes presidenciais – traduzida na sua definição de uma “magistratura de influência – moldou de forma indelével a Presidência da República aos olhos das portuguesas e dos portugueses.
Abandonada a Presidência da República, em 1996, Soares não abandonaria o seu combate cívico pela sua ideia de país e pela sua ideia de Europa. Foi isso que o motivou, num exemplo de humildade democrática, a ser candidato ao Parlamento Europeu à frente da lista do Partido Socialista, nas eleições de 1999. Foi deputado europeu entre 1999 e 2004, dando largas à sua condição de europeísta convicto, defensor de uma Europa do progresso sustentado. A defesa do Ambiente, que já transportou quando exerceu as funções de presidente da Comissão Mundial Independente para os Oceanos e do Comité Promotor do Contrato Mundial da Água, passou a constar da sua agenda quotidiana e do seu exercício permanente de cidadão do Mundo, empenhado nos combates que entendia justos (como o que liderou em Portugal contra a primeira Guerra do Iraque).
Em 2006, contra a opinião de muitos dos seus amigos e conselheiros, Mário Soares viria a dar nova demonstração da sua nata condição de combatente político, ao aceitar candidatar-se de novo a Presidente da República. Não foi eleito, mas fez sempre jus, até ao fim da sua vida, ao lema que ele próprio definiu: “Só é vencido quem desiste de lutar”.
Mário Soares morreu em Lisboa, a 7 de janeiro de 2017, com 92 anos, menos de ano e meio depois da sua mulher, Maria de Jesus Barroso.
Mas o seu exemplo e a sua obra são referências incontornáveis, que merecem ser estudadas, aprofundadas e seguidas. Do combate à ditadura, da defesa da Democracia antes e depois do 25 de abril, da “Europa Connosco” até aos dias que correm, o seu amor pela Liberdade deve moldar-nos e contagiar-nos. Agora e sempre, Soares é fixe.